péssimos motivos para comprar livros
pensamentos me ocorreram enquanto arrumava minhas estantes
eu amo comprar livros.
eu gosto mais ou menos de ler os livros, mas como às vezes é difícil explicar as nuances de amar e odiar ler ao mesmo tempo, prefiro poupar a minha paciência e me classifico como uma "pessoa que gosta de ler”. mas voltando ao fato de eu amar comprar livros1.
entendo que o ato de ler e o ato de comprar livros são muito diferentes. se você não entende essa dicotomia, eu vou explicar: outro dia estava em Pinheiros com meu namorado e tinha acordado meio ansiosa. passamos pela Livraria da Tarde e saí de lá com “A outra volta do parafuso”, do Henry James, “A gangue escarlate de Asakusa”, do Kawabata, e ainda o “Declínio de um homem”, do Osamu Dazai, que a vendedora, vendo que eu estava levando um livro de um autor japonês triste, me recomendou um outro livro japonês triste. já no café depois da livraria eu virei pro Rafael, meio sem-graça, já com vergonha do que ia falar e disse:
– adivinha o que me fez ficar menos ansiosa e melhor?
– hum?
–comprar livros.
não me levem a mal, eu não quero aqui afirmar que comprar livros traz felicidade, mas de vez em quando me faz um bem tremendo. até o dia que eu resolvo arrumar minhas estantes e fico me perguntando por que raios eu não volto a ler no meu kindle e paro de comprar livros físicos. foi em uma dessas arrumadas, mais precisamente na última, que eu me dei conta que tenho uns livros que comprei pelos piores motivos.
um motivo ruim de comprar livros não é o que descrevi anteriormente, pelo contrário, estar se sentindo estranha e meio ansiosa é um excelente motivo para se comprar livros, mas talvez comprar um livro porque você viu uma booktuber que você nem gosta tanto assim falando sobre é uma razão bastante questionável.
seguindo essa linha de raciocínio, eu trouxe para vocês, nessa edição inaugural da minha nova newsletter, uma lista de livros comprados pelas piores razões possíveis. eu não estarei julgando os livros em si, mas apenas o motivo pelo qual eu os comprei. é bem provável que eu não tenha lido todos os livros que citarei aqui. mas enfim, eis a lista2.
os piores motivos para se comprar livros (e os respectivos livros comprados) são:
comprar um livro porque o Namjoon do BTS leu e se inspirou nele para escrever uma música
parece outro mundo, mas quando ainda estávamos presos em casa, com raiva das pessoas que saíam sem máscara e aproveitavam os feriados adiantados pelo governo para pegar uma praia, eu estava, como muitos, em depressão. eu já estava deprimida antes de março de 2020, mas viver uma pandemia não foi a melhor coisa para a minha saúde mental.
para seguir acordando e levantando da cama todos os dias, eu me apoiei em fazer pães e criar meu próprio levain (que morreu quando eu peguei covid, irônico, né), em cuidar da minha cachorra que foi adotada ainda em 2020 e em amar sete homens coreanos que são muito talentosos, bonitos e engraçados. sim, eu caí no buraco do BTS.
diferente da vez que eu caí no buraco do One Direction em 2016, começar a gostar do BTS e descobrir mais sobre os meninos me fez perceber que, na real, eles são muito inteligentes. não tô dizendo que integrantes de boybands e grupos musicais são inerentemente burros, mas comparando com os One Direction, que dividiam um único neurônio, os BTSs pensam.
foi em um dia pesquisando sobre o simbolismo da música (e o clipe) de “Blood, Sweat & Tears” que descobri que uma das grandes inspirações do Namjoon ao escrever a letra foi o livro “Demian", do Herman Hesse.
eu nunca tinha ouvido falar de outro livro do Herman Hesse além de “Sidarta", que li quando era adolescente e gostei muito, e fiquei com isso na cabeça até o dia em que tive ela, a vontade de comprar livros.
nesse momento de tempo e espaço, estávamos na época em que já saíamos de casa, sempre com máscara, e não lavávamos mais as compras de supermercado. eu aproveitei uns dias de folga do trabalho para passear pelos sebos do meu bairro. não vou mentir aqui, mas nesse dia eu queria mesmo comprar um outro livro recomendado pelo Namjoon, o “Kafka à beira-mar”, do Murakami, que, obviamente, não encontrei.
no primeiro sebo que eu fui, o sebo mais sebo que um sebo pode ser, cheio de livros velhos empilhados com as páginas amarelas, estantes lotadas e montes de disco de vinil espalhados pela loja, achei essa cópia meio capenga de “Demian” por 10 reais e decidi levar para casa. eu tinha revisto o clipe de “Blood Sweat & Tears” recentemente e estava completamente vidrada na ideia de saber mais sobre como esse livro com nuances homessexuais mexeu com o Namjoon.
eu ainda não tinha desistido de achar “Kafka à beira-mar”, então lá fui eu em outro sebo, esse mais arrumadinho, mas com as estantes organizadas da forma mais cruel possível – ordem alfabética pelo PRIMEIRO nome do autor. como eu não lembrava qual é o primeiro nome do Murakami, fiquei olhando livro a livro, um por um, até achar sabe quem? ele mesmo, “Demian”, na mesma edição, mas numa cópia mais nova e menos caindo aos pedaços, pelo mesmo preço.
comprar um livro porque a personagem do drama coreano que eu gostei muito citou em um episódio
ainda no primeiro sebo, antes de encontrar a cópia de “Demian”, eu achei outro livro que estava na minha lista, “O quarto 19”, da Doris Lessing. como comprei esses dois livros no mesmo dia, vocês já sabem qual era o meu estado mental. pandemia, né.
além de me apaixonar por sete homens, fazer pão e adotar um cachorro, eu comecei a ver dramas coreanos. o meu favorito até agora é “Tudo bem não ser normal”, que foi a melhor série que eu vi em 2021. a história é sobre uma escritora de livros infantis que tem muitos traumas de infância que encontra um cara com muitos traumas de infância que trabalha em um hospital psiquiátrico. mas o “O quarto 19” não tem nada a ver com isso.
talvez “Porque essa é a minha primeira vida” seja o meu segundo drama favorito. a personagem principal se formou em letras e sonha em ser roterista de novelas, mas ela nunca é promovida. por uma série de motivos ela fica sem lugar para morar e uma amiga dela fica sabendo de uma pessoa que precisa de alguém para dividir o apartamento. ela ainda não sabe, mas esse alguém é um homem!!! e é claro que eles precisam se casar para morar juntos – quem nunca?
os dois acabam se apaixonando e num diálogo, a protagonista, Ji-ho, fala desse conto que ela leu na faculdade, sobre uma mulher que, aparentemente, tinha tudo, mas faltava alguma coisa. a mulher decide alugar um quarto sem que ninguém saiba, nem seu marido nem seus filhos, e começa a passar suas tardes lá, sozinha. esse tempo solitário completa ela.
do jeito que a Ji-ho interpreta o conto no drama, e de como ela relaciona com a sua vida, não parece que a história vai ser tão trágica, mas porque eu comprei o livro por causa dessa cena e depois eu li o conto, posso adiantar para vocês: é uma história muito triste.
comprar um livro porque o seu professor preferido da faculdade escreveu, e o livro é a tese de doutorado dele
essa é uma história de amor.
mentira. mais ou menos.
logo no meu primeiro ano de faculdade, assisti uma palestra com o Bruno Gomide sobre recepção da literatura russa no Brasil. eu escolhi fazer essa faculdade (Letras) nesse lugar específico (FFLCH) porque só na USP eu poderia estudar russo. eu li “Crime e Castigo” com 15 anos e daí por diante foi morro abaixo.
enfim, eu levei uma amiga à tiracolo com a promessa que iríamos no cinema depois ver um filme do Michael Fassbender (vimos “Shame”, não recomendo). vale lembrar que eu ainda estava no primeiro semestre da faculdade. eu não sabia de nada. devia ter feito 18 anos naquele mesmo mês. e aí, entra um cara com uma voz grossa e muito bonita e começa a falar de literatura russa no Brasil e simplesmente BATEU.
acho que só sobrevivi o ensino médio porque tinha essa ideia, que todos os adultos à minha volta reafirmavam, que a faculdade ia ser o lugar onde tudo se encaixaria. eu seria lida como bonita, eu iria estudar as coisas que eu gosto, eu iria entender mais do mundo. hoje eu lembro disso um pouco constrangida e nostálgica, porque naquela época era isso mesmo. e aí logo no começo de tudo eu encontro um professor que falava as coisas que eu sonhava em ouvir nessa faculdade idílica que ainda estava na minha cabeça. foi amor à primeira vista (ou melhor, palestra).
se eu achava que queria estudar russo antes, depois dessa palestra eu tinha a certeza mais absoluta de todas. e aí eu fui mesmo estudar russo e passei os quatro anos seguintes aprendendo a língua russa e imersa na literatura e cultura desse lugar maluco. foi ótimo.
eu tive aulas com o Bruno Gomide e saía delas tão extasiada que não conseguia dormir. era muito doido ver todos os meus amigos no terceiro ano da faculdade em crise com o curso, querendo trancar, querendo mudar de habilitação e eu firme e forte, amando aquilo cada vez mais. eu só fui ficar mais desgostosa com a faculdade lá pelo fim, no último semestre, quando não aguentava mais ver qualquer palavra em cirílico na minha frente e sentia dor física quando alguém me falava que gostava de Dostoiévski. nessa época eu não tinha mais aulas com o Bruno Gomide.
acho que foi na minha segunda ou terceira Festa do Livro (aquela feira gigantesca que todas as editoras vendem seus livros pela metade do preço) que decidi comprar “Da estepe à caatinga: o romance russo no Brasil”, junto daquela edição linda de “Guerra e Paz” da Cosac Naify. na minha cabeça seria completamente normal levar um tijolo de 30 centímetros de altura para a faculdade e dar para o Bruno Gomide autografar – eu não fiz isso, graças a deus.
no final eu acabei fazendo uma iniciação científica com o Bruno, com muita dificuldade, pois se já era muito difícil estar na mesma sala com ele, imagina falar com ele olhando nos meus olhos… tá loko. eu ficava nervosa quando ele passava pelo corredor, quando estava conversando com amigas e ouvia a voz dele. era ridículo. meus amigos chamavam ele de “Beto”, como se fosse um código secreto para ninguém saber de quem estávamos falando. era divertido.
com o tempo, essa paixão toda foi diminuindo e a última disciplina que eu tive com ele nem foi TÃO incrível assim. eu conseguia até falar em aula, acreditem. o livro ficou comigo, sem autógrafo. ele é ótimo para segurar outros livros na estante. ele tem uns capítulos maneiros também.
comprar um livro porque uma booktuber que você nem gosta tanto assim leu e pela descrição parecia que era algo do meu interesse
essa newsletter nasceu do meu sentimendo conflitante de amar e odiar o booktube ao mesmo tempo.
eu gosto muito de falar sobre livros e ver pessoas falando sobre livros, mas também tenho esse péssimo hábito de achar as pessoas burras e ficar com raiva delas. eu e minha amiga clara falamos disso sempre. toda vez que isso acontece, nasce em mim essa vontade imensa de criar um canal no youtube para falar de livros (não importa aqui que eu já tenho um podcast sobre livros), mas eu nunca vou fazer isso. odeio fazer vídeo. eu gosto mesmo é de escrever.
eu não odeio a booktuber que vou citar aqui, eu acho ela bem divertida e, geralmente, os vídeos dela não me dão raiva, tanto que, por causa de uma recomendação dela comprei “Slow days, fast company”, da Eve Babitz.
no vídeo, a uncarly fala que leu Eve Babitz e amou muito. ela explica que o livro mistura um pouco ficção e não-ficção de um jeito que funciona demais. e que ainda o livro é muito engraçado. eu não lembro qual vídeo foi esse para linkar aqui, mas essa explicação me convenceu totalmente, porque uma das coisas que eu mais amo é um livro que não é nem uma coisa nem outra.
alguns dias depois, a minha amiga clara me recomendou o mesmo livro. não porque ela tinha lido e gostado, mas porque ela viu uma booktuber falando sobre e achou a minha cara.
e lá fui eu aproveitar uma promoção na amazon pra comprar o livro, que não existe no Brasil.
alguns meses depois do livro chegar eu resolvi pegar pra ler e foi uma experiência até que divertida. a Eve Babitz escreve super bem e ela é realmente engraçada. o livro transmite bem o espírito da época, anos 60~70, e do lugar, os estados unidos. e foi essa segunda parte que me incomodou.
as questões colocadas, o cenário cultural, absolutamente tudo é extremamente estadunidense. lembrei do incômodo da minha minha mãe com a Joan Didion, é estadunidense demais.
e mesmo depois de tudo isso ainda quero ler mais Eve Babitz.
comprar um livro que foi citado no podcast da booktuber que você acompanhava há anos, mas um dia ela falou que não gostou de cem anos de solidão e não sabia quem era pedro almodóvar e você simplesmente desistiu dela
anos atrás eu descobri o booktube com a Ariel Bisset e por muito tempo o canal dela foi um dos meus favoritos de assistir no youtube. ela era entusiasmada com os livros que ela gostava e os vídeos dela me deixavam animada e com vontade de ler. mas aí o tempo foi passando e algumas coisas começaram a me incomodar e me deixar muito preocupada com a qualidade do ensino superior canadense3.
mais ou menos na época do incômodo, a Ariel criou um podcast com a melhor amiga dela, o Books Unbound, e eu, sedenta por pessoas falando sobre livros, comecei a ouvir. o podcast é divertido, principalmente porque as duas são muito amigas e eu gosto de ouvir amigas interagindo entre si. mas aí a ariel bisset disse que não sabia quem era pedro almodóvar num episódio, e no outro disse que odiou cem anos de solidão e eu não consegui mais ouvir. parei o episódio aí e segui com a minha vida.
mas não é sobre isso que quero falar aqui.
em um episódio do podcast, a amiga da Ariel, a Raeleen, disse que tinha comprado o livro “Destransição, baby”, e que, por acaso, esse livro tinha sido finalista de algum prêmio literário gringo que eu não sei o nome. ela deu uma simples sinópse da história; uma mulher trans, Reese, reencontra Ames. os dois foram namorados antes de Ames destransicionar. Quando sua nova namorada engravida, Ames retoma o contato com Reese para que os três possam criar o bebê juntos.
por ser o primeiro romance de Torrey Peters, não imaginava que o livro fosse tão bom. as personagens são bem construídas, cada uma tem a sua voz e o livro não impõe nenhuma moral ou julgamento de valor. as discussões sobre gênero e sexualidade são riquíssimas e não caem no lugar comum do discurso woke do tuíter. eu não sei se a Raeleen acabou lendo “Destransição, baby”. espero que sim, porque é um livro muito bom.
chegamos ao fim! yay!
agora que o pior passou, posso me explicar um pouquinho. se você não me conhece, meu nome é júlia medina e desde quando me formei em letras sinto falta de um espaço para falar sobre livros. o booktube não me satisfez e, por isso, criei um podcast, o nota de rodapé (homônimo dessa newsletter, que coisa bonita), mas fazer podcast e ter um emprego CLT é bastante coisa para uma pessoa fazer sozinha e esse projeto ficou meio encostado no canto.
eu tinha uma outra newsletter, a nine out of ten paixões make me cry, que terminou recentemente e aí eu fiquei sem lugar para escrever. sintia falta de um lugar mais meu, sem muitos temas, para escrever coisas relacionadas à literatura, mas que não se encaixariam no formato podcast. e o final da história vocês já sabem.
como fim da edição inaugural quero deixar aqui a dica de duas livrarias em são paulo relativamente novas que valem a pena visitar.
a primeira, a Livraria Cabeceira, abriu ano passado perto de onde eu moro, então vocês já podem imaginar a minha alegria de poder ir na livraria durante um passeio com a minha cachorra tarsila. a livraria é uma delícia e se não tiver o livro que vocês procuram eles conseguem encomendar.
a outra livraria é a Livraria Simples, que fica em um lugar que não consigo dizer onde é. é meio Bexiga, meio Bela Vista? fica perto da Paulista? enfim, o que importa é que é uma livraria ótima, com vibes de casa de vó lotada de livros do teto até o chão. todo sábado eles fazem uma feira de troca de livros e de quebra é pertinho de um restaurante vietnamita muito bom.
além de tudo isso, o banheiro é ótimo, vide a foto seguinte que é a única foto que eu tenho da Livraria Simples.
hoje fico por aqui. se vocês quiserem falar sobre péssimos motivos para comprar livros ou me dar dicas de livrarias pelo brasil, é só responder esse email.
até logo!
digitar isso me deixou um pouco desgostosa comigo mesma, já que o assunto até agora tem sido gostar/não gostar de coisas. eu, como uma pessoa que ama comprar livros e, ao mesmo tempo, anticapitalista, entendo a contradição, mas sabe, a vida é muito difícil para entrar numa livraria e não sair com um livro embaixo do braço.
essa lista não segue uma ordem de valor, segue apenas a ordem aleatória que eu decidi na hora que escrevi.
me lembrem depois de contar essa história.
comprei esse da eve babitz pelo mesmo motivo, não sei se gostei ou não hahahahha
No momento arrumando e tirando po de uma das minhas estantes e querendo morrer